Por que falar de Aprendizagem Visível na Era da IA?

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Daniela Lyra

Porque, com a chegada da Inteligência Artificial às salas de aula, a pergunta mais importante da avaliação mudou. Não basta mais perguntar: “quem escreveu esse texto?” Precisamos perguntar: “como esse pensamento foi construído?”

Como provocou Adrian Cotterell, a avaliação para a aprendizagem ainda faz sentido quando o produto pode ser inteiramente gerado por IA? Como nos lembra Guilherme Cintra, a IA não chegou com manual de instruções. Ela simplesmente chegou, como uma “tecnologia de chegada”, que nos obriga a repensar estruturas, não apenas regras.

Nesse cenário, tenho voltado minha atenção ao conceito de visible learner, do Projeto Zero. Não como uma teoria a ser memorizada, mas como uma lente de ação pedagógica. Uma forma de pensar e repensar o que fazemos quando queremos, de fato, sustentar o processo de aprendizagem. Este texto nasce daí: do trabalho cotidiano com um time de professores, da tentativa concreta de desenhar experiências onde o pensamento dos alunos possa se tornar mais visível, mais compartilhado e mais significativo — mesmo (e especialmente) em tempos de IA. Ao final, compartilho um pequeno cardápio de recursos criados com IA para ajudar você a estudar essa pesquisa. Vamos juntas(os)?

O que é a aprendizagem visível?

Nas últimas semanas, mergulhei no conceito de visible learner — aquele(a) estudante que entende o que está aprendendo, por que e como. Que consegue se autoavaliar, ajustar a rota e assumir responsabilidade pelo próprio progresso..

Imagina se um dia, do nada, um(a) aluno(a) te dissesse:

“Eu sei o que estou tentando aprender e como vou saber se aprendi.”

Não seria um sonho — seria visível.

A pesquisa do Projeto Zero, apresentada no livro Visible Learners, me chamou atenção justamente por isso. Ela nos convida a deslocar o foco: da performance para a percepção, do produto para o processo. Porque visible learning não é só uma questão de mostrar. É uma questão de reconhecer. E, isso exige intencionalidade. No fim das contas, não se trata apenas do que ensinamos, mas de como cultivamos em cada aluno a capacidade de aprender a aprender. No momento em que a IA desafia a autoria e a originalidade dos produtos escolares, a demanda por ressignificar o nosso conceito de avaliação é urgente.

Repensando currículo a partir do pensamento que se revela

Há um deslocamento sutil, mas profundo, quando mudamos a pergunta de “O que os alunos precisam aprender?” para “Como os alunos mostram, a si mesmos e aos outros, que estão aprendendo?” Esse é o ponto de partida do conceito de aprendizagem visível, que venho revisitando a partir do livro Visible Learners – APRENDIZES VISÍVEIS. E o que encontro ali é mais do que uma pesquisa. É um convite à reorganização curricular com base na escuta, na colaboração e na documentação intencional do pensamento da comunidade de aprendizagem.

O que acontece quando a aprendizagem deixa de ser algo que apenas se entrega e passa a ser algo que se revela, se compartilha e se reinterpreta em tempo real?

Com o avanço da IA na educação, essa pergunta deixou de ser filosófica para precisar se tornar prática. Recentemente, Adrian Cotterell questionou se a avaliação para a aprendizagem teria morrido. Ethan Mollick compartilhou uma meta-análise sugerindo que o uso de IA pode melhorar o desempenho — se integrado com intencionalidade. Ambos colocam o dedo na mesma ferida: como avaliar de forma significativa num mundo onde o produto pode ser gerado por máquina?

A resposta, ou pelo menos um caminho, pode estar naquilo que a IA ainda não consegue substituir: o processo visível da aprendizagem. Um aluno operando na dimensão da aprendizagem visível – com ou sem IA deveria:

  • Entender como colocar em prática o objetivo de aprendizagem
  • Ser responsável pelo próprio progresso
  • Expressar e reinterpretar suas ideias com os outros
  • Reconhecer a si mesmo como sujeito do aprendizado coletivo

Ferramentas para tornar a aprendizagem visível

No centro da proposta do livro, está a ideia de que o pensamento pode e deve ser tornado visível. Mas isso não acontece por acaso. É preciso intencionalidade, espaço, linguagem, tempo, escuta. Apresentam, para que toda a pesquisa se segmente no nosso entendimento algumas ferramentas – protocolos de mediação estruturados que sustentam a aprendizagem como um processo vivo, coletivo e interpretável. Elas nos ajudam a criar contextos onde os alunos podem documentar, revisitar e reformular seu próprio pensamento — e onde o professor se torna também um pesquisador da aprendizagem.

Organizo aqui algumas delas, agrupadas por sua função pedagógica:

1. Apoio à aprendizagem em grupos

Ferramentas que fortalecem o pensamento coletivo e a escuta entre pares:

  • Thinking routines: perguntas simples e repetíveis que ajudam a externalizar o raciocínio. Ex: “Veja–Pense–Pergunte”, “Antes eu pensava… agora penso que…”
  • Rubricas co-construídas: critérios criados em conjunto com os alunos para orientar projetos e autoavaliações
  • Normas de interação explícitas: acordos sociais e linguísticos que tornam o diálogo mais produtivo e intencional
  • Frases de colaboração: estruturas linguísticas que modelam escuta ativa e apropriação de ideias. Ex: “Eu fui inspirado por…”, “Você pode dizer mais sobre isso?”
  • Gráficos de participação: registros visuais feitos pelos alunos para mapear contribuições em grupo e favorecer a autorregulação

2. Documentação da aprendizagem

Ferramentas que permitem registrar, interpretar e circular o pensamento em processo:

  • Painéis narrativos: murais que contam a história de um projeto com fotos, falas, rascunhos e esquemas
  • Balões de fala com registros reais: trechos autênticos da linguagem dos alunos, visibilizando pensamentos emergentes
  • Quadros de documentação reflexiva: perguntas para que professores analisem suas próprias observações. Ex: “O que observei?”, “Como isso mostra aprendizagem?”
  • Galerias com versões em progresso: exposições com diferentes estágios de um mesmo trabalho, revelando evolução e tomada de decisões
  • Cadernos coletivos de ideias: registros contínuos e colaborativos de hipóteses, descobertas e conexões

3. Ferramentas para professores

Instrumentos que sustentam a prática como investigação:

  • Revisão entre colegas com base em vídeos ou documentos: para observar padrões de aprendizagem não evidentes
  • Protocolos de conversa docente: guias que ajudam grupos de estudo a analisar documentações reais
  • Análise de linguagem em transcrições: olhar atento para como os alunos usam a linguagem para construir pensamento

4. Envolvimento das famílias

Dispositivos que expandem a visibilidade da aprendizagem para além da sala de aula:

  • Exposições públicas focadas no processo, e não apenas em produtos finais
  • Quadros de perguntas para visitantes: convites para leitura e interpretação dos registros
  • Tours guiados por alunos, onde eles próprios narram o caminho percorrido

5. Visibilidade curricular e institucional

Ferramentas que ajudam a transformar a escola em uma comunidade de aprendizagem visível:

  • Murais interativos e registros em tempo real, com falas, esquemas, rascunhos e reflexões
  • Comparações entre turmas e projetos, para construir repertório pedagógico coletivo e inspirar novas práticas

Por que tudo isso importa?

Essas ferramentas não são um “acessório” da prática docente. São o próprio meio que sustenta um currículo vivo, baseado na escuta e na coautoria. Elas criam as condições para que os alunos se reconheçam como sujeitos do seu processo.

E a IA, onde entra, hein?

Tenho usado IA para transformar esse estudo em recursos multimodais para formação de professores. Porque pensar sobre aprendizagem visível exige também experimentar diferentes formas de ver e escutar.

A IA tem me ajudado a:

  • Gerar roteiros de podcast com falas pedagógicas
  • Criar cartões de estudo com perguntas metacognitivas
  • Montar carrosséis com exemplos de documentação
  • Desenhar guias de uso docente com essas ferramentas

Mas o sentido permanece humano: fazer da avaliação uma escuta intencional, coletiva e visível.

Conclusão para vc que ficou até aqui: tornar visível é tornar possível ter menos controle, mais visibilidade compartilhada. Quer acessar esses materiais? Ou trocar ideias sobre como tornar o pensamento dos alunos visível na sua escola? Me chama por aqui. A aprendizagem visível começa com quem tem coragem de ver.

Referências

  1. Krechevsky, M., Mardell, B., Rivard, M., & Wilson, D. (2013). Visible Learners. Jossey-Bass.
  2. Ritchhart, R., Church, M., & Morrison, K. (2011). Making Thinking Visible. Jossey-Bass.
  3. Mollick, E. (2023). The practical guide to using AI in teaching.
  4. Cotterell, A. Provocação sobre avaliação e IA.
  5. Cintra, G. (2024). Avaliações educacionais em um mundo dominado pela inteligência artificial. Bett Brasil.
  6. UNESCO. (2023). ChatGPT and Artificial Intelligence in Education: A Guide for Teachers.

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