Começamos indagando: como posso tornar a aprendizagem o foco principal da educação e realmente perceber seus processos e seus resultados?
Ao mesmo tempo, podemos questionar, como estabelecer objetivos claros para o ensino e para a aprendizagem? E, uma vez estipulados, como tornar visível, monitorar e analisar o progresso dos estudantes?
Aprofundando o tema, como eu, professor, posso ter certeza de que meus alunos estão assimilando bem os objetivos de aprendizagem e melhorando suas habilidades cognitivas, sensoriais e emocionais no processo de estudo?
Assim, para fechar as indagações iniciais, resta perguntar: como posso tornar os meus pensamentos e o pensamento dos meus estudantes mais visíveis e compreensíveis desde o princípio de uma investigação ou estudo?
John Hattie (2008; 2015; 2017), hoje professor da Universidade Melbourne na Austrália, fez a maior revisão sistemática e meta-análise em eficácia escolar da pesquisa contemporânea em educação.
O objetivo do estudo é identificar os fatores de maior impacto na aprendizagem dos estudantes, partindo da seguinte pergunta: O que funciona melhor na educação?
Hattie é um grande buscador de evidências estatísticas e, há cerca de 15 anos, trabalha com uma equipe no Laboratório de Aprendizagem Visível da Universidade de Auckland, Nova Zelândia, que hoje funciona na Universidade de Melbourne, Austrália.
No Laboratório de Aprendizagem Visível, Hattie usou diferentes métodos estatísticos em bancos de dados acadêmicos de larga escala, como revisões sistemáticas e de metanálises que indiquem evidências sobre os fatores que mais têm impacto na aprendizagem dos estudantes.
Impactos visíveis na aprendizagem
John Hattie estabeleceu seis categorias principais que mais podem influenciar o processo de aprendizagem, características:
- do aluno;
- da família;
- do contexto escolar;
- do currículo;
- do professor;
- das metodologias de ensino e aprendizagem.
Assim, ele categorizou esses fatores de acordo com o tamanho de efeito na aprendizagem, e, a partir disso, estabeleceu um modo estatístico para compará-los.
Cada fator é extensivamente analisado, comparando diversas pesquisas que o analisam em diferentes épocas e contextos, até resultar em tamanho de efeito quantificável em um barômetro comparável com outros fatores.
Ou seja, é feita uma meta-análise, uma análise de análises e de tendências e resultados estatísticos de outras análises.
O resultado é um ranking de tamanhos de efeito, acompanhado de uma breve explicação qualitativa.
Dessa forma é possível visualizar o produto da imensa pesquisa Aprendizagem Visível, a meta-análise, depois resumida no livro publicado em português Aprendizagem Visível para professores (HATTIE, 2017).
Na pesquisa, Hattie classificou mais de 138 fatores com base em seus tamanhos de efeito estatísticos, criando, assim, um ranking sobre o que mais tem impacto na aprendizagem dos alunos.
Foi definido desde o que tem impacto negativo, ou seja, fatores que fazem perder aprendizagem (como a reprovação escolar), àquilo que tem impacto muito positivo, acima da média de todos os efeitos.
O objetivo da pesquisa é justamente identificar fatores de melhora que têm grande efeito positivo sobre a aprendizagem e custam menos para serem implementados.
Dessa forma é possível tomar boas decisões de gestão e melhoria pedagógica para as escolas com base em evidências de pesquisa.
Como é feita a meta-análise?
Hattie descobriu que a curva dos tamanhos de efeito era uma gaussiana (a chamada curva normal, como uma onda muito simétrica) e que o tamanho médio do efeito de todos os fatores estudados era de 0,40.
Além disso, Hattie descobriu, por meio de estudos longitudinais em grandes bancos de dados como do PISA, do NAPLAN, do NELS, grandes avaliações externas internacionais) que o efeito de aprendizagem de um ano escolar também tinha um tamanho médio de efeito de 0,40 pontos estatísticos.
Sua conclusão: praticamente tudo tem impacto na aprendizagem.
Portanto, importa identificar o que tem mais impacto visível para professores e alunos, ou seja, acima da média normal dada pelo 0,40.
A pesquisa de Hattie busca identificar essas influências em um resultado específico através da análise de diversas fontes, como jornais acadêmicos, periódicos, livros, dissertações e literatura cinza (relatórios executivos e publicações em congressos mais difíceis de encontrar pelo público).
Para cada estudo analisado, são calculados os tamanhos de efeito para as comparações adequadas.
Em geral, há dois tipos de tamanhos de efeito:
- comparações entre grupos; por exemplo: comparando estudos em que estudantes tinha lição de casa com aqueles que não o tinham;
- comparações ao longo do tempo; por exemplo: resultados de base comparados com resultados após quatro, seis meses entre os mesmos estudantes.
Ao comparar efeitos estatísticos, Hattie criou um barômetro de influências para cada tema/fator analisado, identificando seu desvio padrão e a média desse efeito.
Assim, pode passar a comparar diferentes fatores ou influências de acordo com seu tamanho de efeito.
Por exemplo, sobre o “tema de casa”, o que normalmente chamamos de lição de casa no Brasil, mas incluindo também outras variáveis de tarefas em casa,
“quatro metanálises forneceram informações sobre o tamanho da amostra com 105.282 alunos. (..) o efeito médio foi de d= 0,29, com um erro padrão de 0,0027 (considerado baixo em relação a todas as metanálises”
HATTIE, 2017: p.12
Dentre todas as influências na aprendizagem estudadas, os temas de casa ficaram em 88°.
“Como todos os resumos de literatura, cuidado se deve ter com a palavra de ordem ao interpretar os efeitos gerais. As nuances e detalhes de cada influência são importantes e são discutidos em mais detalhes em Visible Learning (HATTIE, 2009). O ponto crítico geral é de 0,40 é sugerido como um ponto inicial de discussão. (HATTIE, 2017a, p.14).”
Em 2011 John Hattie aumentou sua lista de efeitos de 138 para 150 na Visible Learning for Teachers (2017 na edição brasileira) e mais tarde para 195 no contexto da aprendizagem visível para o ensino superior (2015 edição original).
Seu estudo foi atualizado com o ranking online (HATTIE 2017b) e hoje está baseado em aproximadamente 1200 metanálises.
Segundo o professor, a base da história permaneceu a mesma, ainda que alguns efeitos tiveram seus valores ajustados e foram adicionadas novas entradas nas primeiras, intermediárias e últimas posições.
Desde que lançou o estudo e o aprofundou em 2015, em políticas da distração e o que melhor funciona? (HATTIE, 2015), o ranking recebeu no seu topo ações de expertise colaborativa.
Ou seja, quando educadores (professores, gestores) trabalham conjuntamente para gerar uma inteligência ou expertise que nasce do coletivo, da colaboração.
Para isso, os professores passam a se ver como auto avaliadores de seus impactos sobre a aprendizagem dos estudantes e passam a fomentar nos estudantes essa mesma atitude de auto formação e auto avaliação:
“O ensino e aprendizagem visíveis ocorrem (…) quando há uma prática deliberada destinada a obter o controle sobre o objetivo, quando há feedback fornecido e recebido e quando há pessoas ativas e apaixonadas envolvidas (professores, alunos, pares) participando no ato de aprendizagem. Trata-se de professores vendo aprendizagem através dos olhos dos alunos, e de alunos vendo o ensino como a chave para sua aprendizagem contínua. A característica notável dessas evidências é a de que os maiores efeitos sobre a aprendizagem dos alunos ocorrem quando os professores se tornam alunos da sua própria aprendizagem e quando os alunos se tornam seus próprios professores. Quantos os alunos se tornam seus próprios professores, exibem os atributos auto regulatórios que parecem ser mais desejáveis para aprendizes (automonitoramento, autoavaliação, autoanálise e autoensino. Portanto, o que faz a diferença é o ensino e a aprendizagem visíveis para professores e alunos.” Uma premissa chave é a de que a visão do professor sobre seu papel é crítica. (…) o que os professores fazem faz a diferença – mas o que mais importa é ter uma atitude adequada em relação ao impacto que eles apresentam. uma atitude adequada combinada a ações adequadas trabalham juntas para alcançar um efeito positivo na aprendizagem.”
HATTIE, 2017, p.14
Em resumo: o que mais tem impacto na aprendizagem
A pesquisa intitulada Aprendizagem Visível, conduzida por Hattie, teve como objetivo identificar os principais fatores que impactam positivamente o aprendizado.
A partir de um vasto levantamento de estudos realizados ao longo dos últimos 20 anos, Hattie concluiu que o fator mais importante para o sucesso educacional de professores e estudantes é a metacognição.
Isto é, a capacidade dos aprendizes autorregular, automonitorar, se autoavaliar e assumirem a responsabilidade pelos seus próprios aprendizados.
Outros fatores considerados essenciais nesse aprendizado são: feedback, prática reflexiva e explícita mostraram motivação e atitude positiva dos estudantes.
Hattie destaca que quando os alunos “se tornam seus próprios professores” (um processo longo, que se conclui ao final da educação básica) passam a exibir atributos auto regulatórios que parecem ser mais desejáveis para aprendizes: automonitoramento, autoavaliação, autoanálise e autoensino (HATTIE, 2017, p. 14).
Assim, a aprendizagem visível deve articular a visibilidade dos objetivos de ensino do professor para os próprios estudantes se monitorarem e tornarem visíveis para si e para o professor o aumento de suas capacidades na aprendizagem.
Para isso, afirma Hattie (2017, p. 14), “Uma premissa-chave é a de que a visão do professor sobre seu papel é crítica”, ou seja, o professor precisa acreditar que tem impacto na aprendizagem dos estudantes.
Além disso, com seus colegas professores, criar um time que, em conjunto, visa ter impacto na aprendizagem de cada aluno da escola e, assim, na constituição de uma cultura escolar de aprendizagens visíveis.
Isso tudo vale também para o professor definir e monitorar seus próprios objetivos pedagógicos e quanto e como tem impacto na aprendizagem dos seus alunos.
E mais: professores podem começar a pensar nesses fatores individualmente, o que já tem grande impacto.
Além disso, Hattie deixa um alerta: a expertise coletiva não tem a ver com o tempo de sala de aula.
Não importa se o professor está há 3 ou 30 anos em sala de aula: esse saber coletivo nasce apenas como expertise com base na inteligência e na colaboração coletiva.
Dessa forma é preciso que a gestão permita e incentive que os professores trabalhem coletivamente com esse foco.
Dez Princípios da Aprendizagem Visível
A partir das evidências de sua pesquisa, John Hattie desenvolveu dez princípios da aprendizagem visível e todo um programa de planejamento coletivo de professores e desenvolvimento de capacidade de devolutivas pedagógicas (feedbacks) que corroboram os preceitos clássicos da avaliação formativa.
Embora possa haver questionamentos sobre vários pontos do ranqueamento do autor, os achados principais de sua pesquisa e seu conceito de aprendizagem visível são indiscutíveis ganhos para o campo da formação e desenvolvimento curricular contemporâneos. Nisso incluem-se as metodologias ativas e a avaliação formativa.
Com base nas evidências, Hattie desenvolveu os seguintes princípios:
1. Aprendizagem é um processo ativo, não um resultado estático.
2. Aprendizagem acontece melhor quando os alunos são envolvidos no processo de aprendizagem.
3. Aprendizagem é facilitada quando os alunos têm acesso a modelos de aprendizagem eficazes.
4. Aprendizagem requer feedback para ser efetiva.
5. Aprendizagem é otimizada quando os alunos se envolvem em tarefas significativas.
6. Aprendizagem é otimizada quando os alunos estão motivados para aprender.
7. Aprendizagem geralmente não acontece em um ambiente estressante.
8. Aprendizagem funciona melhor quando os alunos têm controle sobre o processo de aprendizagem.
9. Aprendizagem é facilitada pelo uso de tecnologias adequadas e bem integradas às necessidades dos alunos.
10.Aprendizagem é um processo contínuo que dura a vida toda.
As evidências da pesquisa de John Hattie sobre aprendizagem visível são inegáveis. Ele mostrou que, quando os alunos são instruídos a refletir sobre sua própria aprendizagem, seus resultados tendem a melhorar significativamente.
Além disso, os professores também saem ganhando com esta abordagem, já que conseguem compreender melhor o processo de ensino-aprendizagem e, assim, adaptar suas aulas de forma mais eficaz.
Ele mostrou que o feedback é um dos elementos mais importantes para o processo de aprendizagem, e que a forma como ele é dado pode ter um grande impacto no resultado final.
Além disso, Hattie também destacou a importância do papel da motivação na aprendizagem, afirmando que ela é crucial para o sucesso dos estudantes.
O autor demonstra uma compreensão aprofundada dos processos de aprendizagem e ensino, bem como das ferramentas necessárias para tornar esses processos mais eficazes.
Sua abordagem inovadora para o redesenho da gestão pedagógica e do currículo escolar é extremamente útil para os educadores que buscam melhorar a qualidade do ensino e maximizar o potencial de aprendizado para a vida de seus alunos. Trata-se de uma referência obrigatória para quem quer pensar e interferir na educação para o desenvolvimento integral no século XXI!
Referências Bibliográficas
ANDRADE, J.P. (Org.). “Aprendizagens Visíveis: experiências teórico-práticas em sala de aula para professores e estudantes”. São Paulo: Panda Books, 2021
HATTIE, J. Aprendizagem visível para professores. Porto Alegre: Penso Editora, 2017.
_______. What work best in education: The politics of collaborative expertise. Always learning. Londres: Pearson, 2015.
_______. 10 princípios para aprendizagem visível. Porto Alegre: Penso, 2019.
_______. Visible learning. Interactive visualization. Disponível em: <https://visible-learning.org/nvd3/visualize/hattie-ranking-interactive-2009-2011-2015. html>. Acesso em: 21 set. 2021.
_______. Visible learning: A synthesis of over 800 meta-analyses relating to achievement. Londres: Routledge, 2008.
_______. Visible learning for teachers. Maximizing impact on learning. Londres: Routledge, 2012.
