Rotinas de Pensamento para Ensino Fundamental: como começar?

Sobre fundo verde, está desenhado à esqeurda um par de olhos, ao centro um cérebro com braços e expressão questionadora, com uma interrogação acima dele; abaixo está escrito, em branco, Rotinas de Pensamento e, à direita, o desenho de três interrogações nas cores amarela, vermelha e verde; exemplificando as Rotinas de Pensamento para o Ensino Fundamental.

De maneira despretensiosa, vou relatar minhas primeiras experiências concretas com a aprendizagem visível e o uso das rotinas de pensamento nas aulas dos 4°s e 5°s anos do ensino fundamental. 

Em 2019, participei de um curso de extensão no Instituto Singularidades, com a Julia Pinheiro Andrade. Logo no início, os primeiros contatos com a Aprendizagem Visível e com as Rotinas de Pensamento me deixaram muito reflexiva. A pergunta que eu fazia era: 

como posso introduzir essas ideias dentro de um currículo engessado, tradicional, que preza a cobertura de conteúdos? 

Essa dúvida me acompanhou por muito tempo. A única coisa que eu sabia é que tinha que ser possível. Os princípios, a teoria e tudo que aprendi faziam muito sentido para mim, tudo isso foi de encontro com tudo aquilo que eu acreditava numa velocidade feroz.

Tentava de todos os modos pensar em planos de aula mirabolantes, com atividades incríveis e ainda utilizando as RPs (carinhosamente apelidei as Rotinas de Pensamento de RPs). Resultado: não dava tempo e, ainda por cima, me frustrava. 

Mas os conceitos não saíam de dentro de mim. Essa ATIVA (Abordagem para Tornar Inovadora e Visível a Aprendizagem) grudou feito cola instantânea, sabe? Daquelas antigas que, em menos de dois segundos, te deixavam com os dedos colados ao objeto que estava quebrado? Pois é, foi assim que grudou em mim. 

Tudo fazia muito sentido, era tanta informação pertinente! Brincando um pouco, parecia que estava numa guerra. “Olha o conceito novo aí… booom!!” “Olha a ideia bacana… booom!” “Olha a ferramenta nova… boomm!” Não parava de estourar coisa nova durante o curso – que, para além de nova, tinha muito significado. Levei muito tempo para digerir todas as informações que recebi. 

Praticando as rotinas de pensamento

O tempo passava e eu não desistia da ideia. Continuava na tentativa, mas não dava certo. Algumas das explicações do que são as RPs me deixavam num embate profundo “… RPs são protocolos simples…”. Como isso podia ser possível? Os conceitos eram tão maravilhosos que eu não encontrava sentido na concepção de que pudessem ser “simples”.

Um dia, sem nenhuma pretensão, tive uma ideia que não estava em meu plano de aula original: começaria a leitura de um livro e, para explorar a capa, fiz uma experimentação com uma adaptação da RP Vejo-Penso-Pergunto. 

Usei somente as consignas “O que eu vejo?” e “O que eu imagino?”. Realizei a atividade oralmente; queria ver o quanto os alunos dos 4°s e 5°s anos eram capazes de elaborar o seu pensamento em etapas. 

EUREKA!! 

Não só foram capazes de planejar seus pensamentos em etapas, como ainda conseguiram ir além e formular perguntas sobre as imagens que estavam vendo. Meu foco nessa hora era não era dizer se o aluno “X” viu o correto, se estavam certos ou errados, meu papel foi provocar e encorajar uma chuva de pensamentos. 

A maioria dos alunos não está acostumada a ser ouvida, ou melhor, só está acostumada a ser ouvida quando tem uma resposta maravilhosamente certa e completa. Só que a pedagogia da pergunta não liberta o pensamento (claro que, aqui nesta fala, tem uma pitadinha de Paulo Freire), é praticada ano após ano dentro da escola, condicionando o estudante a dizer aquilo que ele acha que o professor quer ouvir e não o que ele realmente pensa. As Rotinas de Pensamento ajudam a trazer a Pedagogia da Pergunta para o centro da sala de aula.

Desse modo, continuaremos a formar adultos que não são capazes de imaginar, de construir, de formular hipóteses e de resolver problemas. É muito difícil desconstruir essa cultura.

 É muito difícil para nós professores – e digo “nós” pois também me incluo nessa crítica – deixar de lado a cobertura de conteúdo. Algum tempo atrás iria me questionar se eles entenderiam o conteúdo do livro se eu não os ajudasse a somente descrever a capa. Uma pena não ter o registro, já que a atividade foi oral.

Vejo, penso, pergunto e construo

Ao entrar em contato com o pensamento do colega, muitos reviram os próprios pensares, entendo que esse processo de autoavaliação foi muito mais enriquecedor do que se eu estivesse falando: “Joãozinho, fez certo”. Ao final da leitura, comparamos as ideias iniciais levantadas com a RP com o que realmente aconteceu na história. 

Sabe aquele ditado que diz: “Não podemos julgar o livro pela capa”? Literalmente, os estudantes entenderam o recado.

Neste exato momento, você está pensando: 

Mas eu também exploro a capa de um livro antes de começar uma leitura.

Correto, todo professor faz isso. Mas você já parou para pensar na potência de usar uma rotina de pensamento? Quando utilizo a RP  Vejo-Penso-Pergunto, eu ofereço ao meu aluno um novo olhar para uma coisa que parece mecânica: o pensamento. Eu ofereço a oportunidade de constatar que aquilo que vemos é diferente daquilo que imaginamos ou pensamos – e, ainda, com base nas evidências encontradas a partir do que vemos, somos capazes de questionar o nosso próprio olhar e o nosso próprio pensar. 

Parece óbvio, mas na realidade não é. 

Se vocês experimentarem essa rotina com seus alunos ou mesmo entre adultos, verão que não é um processo tão simples. A partir desse dia pude experimentar, de maneira despretensiosa, mas não menos construtiva, o poder de tornar o Pensamento Visível

Foi uma experiência transformadora. Afinal, todo ideal de educação que acredito é aquele que forma o ser humano integralmente, que transborda o concreto da escola e que invade a vida dos estudantes. 

Já imaginou o uso contínuo dessa RP a longo prazo, durante a vida escolar dos nossos alunos? 

Ao utilizar os princípios da Aprendizagem Visível aliados aos conteúdos curriculares oferecemos a eles a oportunidade de entender e de diferenciar as etapas de pensamento sobre determinado conteúdo, de proporcionar a oportunidade da construção de uma cultura de pensamento visando uma aprendizagem baseada na coletividade,  contribuindo com a formação de  cidadãos com um nível crítico altíssimo e confiantes para ousar e ir além. 

Imaginem ajudar a formar um adulto que tem consciência do que aquilo que ele vê é diferente daquilo que ele pensa e que ele pode elaborar hipóteses e questionar seu próprio pensamento sobre qualquer assunto?

Eu vejo nisso um mundo infinitamente melhor.

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